Um efeito sombra, se pode ser chamado assim, se abateu sobre Manaus na noite de quinta-feira e levou ao quase pânico proprietários de veículos durante toda a sexta-feira, 25 de maio, com boatos sobre quebra de estoque de combustíveis, principalmente de gasolina e etanol em toda a cidade. O resultado, alimentado pela mídia local, foi uma corrida aos postos de gasolina que culminou com cerca de 70% desses estabelecimentos distribuidores de combustíveis fechados, por volta das 14h, em virtude de estarem com seus reservatórios vazios.
O movimento paredista e de bloqueio de rodovias pelo país afora desencadeado pelos caminhoneiros chegou a Manaus pela via ilegal, assim como o próprio movimento, de bloquear o acesso à refinaria Isaac Sabbá ao longo da sexta-feira e, com isso, impedir a livre distribuição e venda de combustível na capital do Amazonas.
O movimento ilegal dos caminhoneiros foi organizado, conforme seus participantes, pelo aplicativo WhatsApp e esta iniciativa – de usar o aplicativo – deu origem a boatos que “bombaram” nas redes sociais e nos grupos do próprio aplicativo, por mais absurdos que fossem, como o foi a própria corrida aos postos pela cidade.
O que explica aquela corrida aos postos se no sábado, pela manhã, a maioria desses distribuidores estava comercializando combustíveis normalmente? A força da mídia, seja ela nas redes sociais ou nos meios tradicionais como rádio, TVs e jornais, além da própria internet em seus sites noticiosos. Como já registravam os estudiosas da sociologia da comunicação e das mídias, essas práticas seriam as “profecias comunicacionais” que ganharam maior impacto no final do século 20, com a internet e mesmo com setores econômicos que utilizam as novas tecnologias.
Sudeste, Sul e demais regiões brasileiras, assim como parte da região Norte conectada por rodovias, estão até esta segunda-feira, 28, enfrentando dificuldades dada a dependência do país, que tem nas rodovias mais de 60% do modal de circulação de cargas. O perfil de Manaus diverge da maioria das cidades brasileiras por ter uma refinaria instalada. Além disso, a entrada e saída de mercadorias para abastecimento ou distribuição do que aqui é produzido, depende de uma logística diferenciada que tem nos rios uma boa parte das rotas de escoamento, mesmo com o pouco caso das autoridades em relação às hidrovias.
De acordo com a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), a participação no escoamento de cargas pelas rodovias, no Brasil, atinge o volume de 65%; as ferrovias respondem por 15% e a cabotagem, em conjunto com as hidrovias, respondem por 16% do fluxo de cargas no país, cabendo ao transporte aéreo um residual de 0,2%. Dutovias respondem por 4%.
A opção pelas rodovias no país vem lá de meados do século XX, nos tempos de JK, com aquela política de fazer “50 anos em 5”. De lá para cá pouco se investiu em ferrovias e os números atuais continuam a fomentar essa preferência maléfica do país pelas rodovias, a quais receberam R$ 1,9 bilhão em investimentos – e nem por isso têm boa qualidade –, enquanto as ferrovias tiveram R$ 120 milhões.
Se o movimento dos caminhoneiros começou com a bandeira da reivindicação no corte no preço do óleo diesel, o que pode até ser entendido, pois a própria população sofre com a alta exacerbada no preço da gasolina também, se abre aí uma outra modalidade de debate que envolve a natureza da Petrobras como estatal, fato que, devido a seu monopólio na maioria das operações vinculadas à exploração de petróleo, tira a possibilidade de concorrência neste mercado, enquanto os varejistas, e por esse substantivo entenda-se os postos, são acusados da prática de cartel e não só em Manaus. Isto sem falar da enorme carga tributária incidente sobre os combustíveis, onde os grandes favorecidos são os estados, via arrecadação do Imposto so bre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Por fim cabe um registro acerca da malha aérea nacional, quando se sabe que Brasília concentra pelo menos 40% das conexões dos voos no país. Quer dizer, se o pessoal ligado a navegação aérea em Brasília resolver seguir a rota dos caminhoneiros, além da anunciada greve de petroleiros a partir de quarta-feira, dia 30, não vai faltar nada para o Brasil parar.